top of page

RESENHA DE O DONO DO MORRO - UM HOMEM E A BATALHA PELO RIO


 

A primeira impressão que tive sobre esse livro complementou a segunda. Primeira: Esse livro, além de um relato sobre a vida do Nem, é um relato sobre a história da Rocinha. Segundo: Não somente é fundamental para quem gosta desse estilo de narrativa e sente curiosidade, como também para todos os que moram no Rio de Janeiro e outros estados que passam por situações semelhantes em relação ao tráfico de drogas e suas respectivas facções. É uma narrativa que nos mostra a necessidade de conhecermos o que acontece nos recônditos das disputas pelo tráfico e da realidade obscura existente por detrás de uma fachada estereotipada pela sociedade, mas no entanto, conhecida de maneira tão rasa.


Para que você saiba como funciona a vida na cidade do Rio de Janeiro é necessário conhecer, antes da história do Nem, a história das facções que controlam grande parte da cidade. Nesse livro temos um resumo muitíssimo bem pesquisado por parte do autor, que se dedicou de diversas formas para escrever esse livro, inclusive, aprendendo a língua portuguesa.


Além da história por si só, o autor nos mostra suas opiniões de forma perspicaz, muitas das vezes concluindo com precisão o entendimento acerca de uma realidade tão dura e complexa. Em diversas partes do texto, Misha Glenny expressa a seguinte linha de raciocínio: Os traficantes ocupam, em uma comunidade, o vazio deixado pelo Estado. Algo tão simples de constatar sob a ótica de um estrangeiro, alguém que não vive nosso dia a dia, mas que muitos de nós (Cariocas, brasileiros), temos dificuldades em enxergar. Nunca devemos julgar uma realidade que não conhecemos. A dificuldade que é viver praticamente sem dignidade, onde dez ou mais dividem um cômodo, sem condições básicas de higiene, salubridade e saneamento básico; onde doenças e morte convivem diariamente com as pessoas. Ao tecer a história da Rocinha e de Nem, o autor nos confirma exatamente isso.


Antônio Francisco Bonfim Lopes era um trabalhador como outro qualquer. Casado, constituindo sua família, com uma filha bebê sofrendo grandes necessidades por causa de uma doença extremamente rara. Se muda para a casa dos pais na Rocinha para dividir um lar minúsculo a fim de economizar dinheiro. Quando sua filha precisa de mais cuidados, decide abandonar o emprego, e com a falta de dinheiro se vê confrontado pela necessidade de trabalhar para o tráfico. Não pense que isso é romantizar a vida de um traficante. Isso é a realidade. Dentro da cabeça de Nem era decidir pela morte da filha ou entrar para o tráfico. Ele fez uma escolha. Certa? Não podemos julgar. Deixemos isso a cargo da Justiça.


A partir de então somos apresentados aos anos que passam e aos confrontos entre os traficantes que passaram pela Rocinha e como Nem foi crescendo na hierarquia do tráfico. É um relato interessante, corroborado não somente pela versão de Nem (o autor o entrevistou na cadeia diversas vezes), como também por testemunhas, dentre elas diversos moradores da Rocinha que acompanharam o desenrolar dos acontecimentos.


O livro culmina com a captura de Nem pela polícia no dia 9 de dezembro de 2011. O traficante estava tentando fugir da Rocinha por não querer enfrentar a operação de instauração da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), onde certamente haveria um grande confronto resultando em muitas mortes na comunidade. A objetividade do autor é surpreendente, fazendo o livro voar. Muito bem contada, conhecemos a história da Rocinha e a influência que essa história teve na vida do traficante Nem, que agora aguarda o julgamento por seus crimes em um Presídio Federal.


Se você quer saber um pouco mais sobre uma realidade geralmente marginalizada através de um ponto de vista sincero, objetivo e bem pesquisado, esse livro é uma excelente escolha. É essencial para conhecer mais sobre como funciona um dos esquemas criminais mais lucrativos das últimas décadas e de uma das mentes mais interessantes por detrás do tráfico.


NOTA: 4.5/5

© 2017 por Blog Folheando

bottom of page